A princesa Leopoldina e as
aves brasileiras
Aproveitando
o momento em que a novela “Novo Mundo”, embora de forma jocosa, nos traz um
pouco da história do Brasil em um período crucial para as mudanças que
definiram os destinos da jovem nação, que segundo o historiador Laurentino
Gomes, “um país que tinha tudo para dar errado”.
D Leopoldina. Retrato de Joseph Kreutzinger 1815
Na obra
televisiva a princesa é interpretada pela atriz Letícia Colin.
Leticia Colin, caracterizada como D Leopoldina
Maria Leopoldina
Josefa Carolina de Habsburgo, foi a primeira imperatriz brasileira, e ficou
mais conhecida como a princesa Leopoldina. Casou-se com o príncipe D. Pedro I
(no papel) em 03 de julho de 1817 e chegou ao Rio de Janeiro em 05 de novembro
de 1817.
A princesa
nasceu em 1797 na Áustria, filha do Imperador Francisco I. Possuía o sangue de
uma das linhagens mais antigas da Europa, os Habsburgo.
O
historiador Alberto Rangel escreveu sobre ela: “uma louraça feiarrona”.
A princesa
além de virtuosa, culta, era uma intelectual apaixonada por mineralogia.
Colecionava rochas, plantas, borboletas e outros animais. Na bagagem além do
enxoval, presentes de casamento e todas aquelas coisas que as mulheres sempre carregam,
trouxe uma biblioteca e as coleções de ciências naturais.
Na sua
comitiva além das damas-da-corte, camareiras, pajens, mordomo, guarda pessoal e
um capelão, a princesa trouxe a maior expedição cientifica que até aquele
momento visitara o Brasil. Entre os sábios senhores estavam o mineralogista
Johann Baptist Emmanuel Pohl e o bibliotecário Rochus Schuech que na verdade
também era mineralogista!
Dizem os
historiadores que a princesa desempenhou um papel fundamental na independência do
Brasil. Era amada pelo povo especialmente por aqueles mais humildes e
abandonados pela sorte. Chegou a endividar-se para não deixar acabar o programa
de assistência social que mantinha.
Tal atitude
deveria servir de exemplo para nossos governantes atuais que deixam os
aposentados a míngua enquanto se locupletam com o dinheiro público!
Mas e as aves?
Pois é, a princesa trouxe 2 senhores que foram definitivos
para a Ornitologia brasileira. O austríaco Johann Natterer e o alemão Johann
Baptist von Spix.
Johann Natterer
Johann Baptist von Spix
Junto com Spix veio também outro alemão, Karl Philipp von Martius, botânico que nos legou a inestimável “Flora Brasiliensis”. Estes três homens cortaram o Brasil de fora a fora durante duas décadas,
Karl Philipp von Martius
A obra "Flora Brasiliensis" está disponível como Flora Brasiliensis On Line no endereço www.florabrasiliensis.cria.org.br
A Spix
devemos a descoberta de raridades como Nothocrax
urumutum, um mutum de hábitos
noturnos da região do alto Rio Negro (AM) e da ararinha-azul do noroeste da
Bahia e sul do Piauí, batizada como Cyanopsitta
spixii em sua homenagem.
Nothocrax urumutum
Cyanopsitta spixii
Natterer
coletou preciosidades como Dromococcyx
pavoninus e Columbina (Oxypelia) cyanopis.
Dromococcyx pavoninus
Columbina cyanopis
A
rolinha-do-planalto (Columbina cyanopis) embora tenho sido coletada por Natterer na região de Cuiabá, só foi
descrita por Pelzeln em 1870 como Peristera
cyanopis, revisada por Salvadori em
1893 como Oxypelia cyanopis.
Acreditava-se
estar extinta, dada a escassez de informações. A ave era conhecida de poucas
peles em museus, além das originais coletadas por Natterer.
Em 1904
Emílio Garbe coletou um macho em Itapura no noroeste de São Paulo. Depois só em
1940 foi coletado outro exemplar macho em Rio Verde, no sul de Goiás, por W.
Garbe (filho de E Garbe). O mesmo W. Garbe em 1941 coletou uma fêmea adulta, na
mesma região.
Passaram-se
75 anos sem notícias da ave, ate que em 2015 o ornitólogo Rafael Bessa a reencontrou
em região de cerrado no interior de Minas Gerais. A população contada até o
momento é de 12 indivíduos. A ave está criticamente ameaçada de extinção e a
população está em declínio, segundo a IUCN. Para saber mais veja:
Embora um
pouco melhor a história da ararinha-azul não é muito diferente. Coletada por
Spix em 1819 na região próxima a cidade de Joazeiro (BA), foi descrita em 1832
por Wagler como Sittace spixii. Em 1854 Bonaparte nomeou a
ararinha-azul como Cyanopsitta spixii, com base no material analisado
por Wagler.
Em 1991 a
ave de Curaçá (BA) foi considerada como o último indivíduo em vida livre, tendo
desaparecido posteriormente em 2000, sendo considerada como extinta em
natureza havendo, entretanto diversos exemplares em cativeiro, principalmente
fora do Brasil.
Afortunadamente
em 2016 foi avistado um individuo solitário na fazenda Caraibeira, na região de
Curaçá (BA).
Veja o vídeo
gravado pelas moradoras da fazenda.
Voltando aos naturalistas viajantes.
Johann Natterer
nasceu em Luxemburg, perto de Viena em 09/11/1787. Quando chegou ao Brasil em
1817, era assistente no Museu de Viena, sendo considerado até hoje como um dos
mais diligentes zoólogos colecionadores. Ao seu vasto conhecimento de
naturalista unia uma extrema habilidade como caçador e uma apurada técnica como
taxidermista. Era meticuloso na identificação do material que coletava,
etiquetando cada exemplar e anotando em um diário todos os dados possíveis referentes
a cada exemplar coletado.
Natterer
trabalhou no Brasil de 1817 a 1835 e só não coletou no extremo sul e na faixa litorânea
que vai do Rio de Janeiro até a foz do rio Amazonas. Natterer coletou 12.293
exemplares de aves representando 1.200 espécies.
Quando
retornou a Áustria foi promovido a adjunto no Imperial Museu de História Natural
de Viena, porém não teve tempo de avaliar e descrever o material que trouxera,
pois faleceu em 17/06/1843. Por ironia do destino os manuscritos e desenhos que
já havia preparado foram queimados no incêndio que destruiu o Museu de Viena em
1949.
Coube a
outro ornitólogo, August von Pelzeln, um dos sucessores de Natterer no museu,
publicar um livro em quatro volumes (entre 1868 e 1871) em que relatou os “Resultados
das viagens de Johann Natterer”, procurando fazer justiça ao colega,
respeitando sempre que possível as denominações dadas por ele.
Johann
Baptist von Spix nasceu em 09/02/1781 em Aisch na Alemanha. Spix faleceu em
Munique em 15/05/1826, com apenas 45 anos enfraquecido pela malária contraída
no Brasil.
Spix chegou
ao Brasil em 1817 acompanhado pelo botânico von Martius e aqui permaneceu até 1820,
viajando pelo Rio de janeiro, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e
Amazonas.
Spix e Martius
saíram junto do Rio de Janeiro em 1817, com destino a Ipanema (MG), aonde
chegaram em 1818. Daí cortaram Minas Gerais e penetraram no sertão baiano com
destino a Salvador (BA), de onde partiram com destino ao Piauí, seguindo para o
Maranhão. De São Luiz (MA) viajaram por mar até Belém (PA) e depois de um mês entraram
no rio Amazonas, passando por Manaus e navegando até Tefé (AM). Spix e Martius
separaram-se por um breve período, e voltaram a encontrar-se em Manaus, e após
excursões pelo baixo rio Amazonas, retornaram para Belém, onde após dois meses
de permanência, partiram de vez para a Europa, em junho de 1820.
Diferente de
Natterer, Spix publicou os resultados do seu trabalho em dois volumes, um em
1824 e outro em 1825, nos quais descreveu 220 aves, sendo que apenas cerca de
100 eram realmente novas espécies. A coleção de Spix ficou exposta durante
muitos anos no Museu de Munique, e só foi realmente objeto de estudo
aprofundado quando o ornitólogo Hellmayr teve acesso a ela em 1905.
Dentro de cinco
anos o Brasil comemorará 200 anos de independência, sem, entretanto demonstrar
a maturidade que esperávamos. Até quando continuaremos dependentes das Côrtes estrangeiras?
Fica em
nossa mente como um presságio a imagem do solitário urubu, testemunha daquele
dia memorável, no canto superior esquerdo da tela “Independência ou morte”
pintada por Pedro Américo em 1888.
Referências
Cyanopsitta spixii.
Consultado em 02 de setembro de 2017. Disponível em: www.mma.gov.br
Derek Goodwin. Taxonomic
notes on the american ground doves. Auk, 76(4): 510-516, 1959.
Flora Brasiliensis.
Consultado em 02 de setembro de 2017. Disponível em: http://www.fapesp.br/publicacoes/flora/
Laurentino Gomes. A
princesa triste. In: 1822 Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês
louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo
para dar errado. Editora Nova Fronteira, 2010, 352p.
Maria Leopoldina de Áustria.
Consultado em 01/set/2017. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Leopoldina_de_%C3%81ustria
Olivério M de Oliveira
Pinto. Novo catálogo das aves do Brasil. Primeira Parte. Empresa Gráfica da
revista dos Tribunais. 446p, 1978.
Olivério Mario de Oliveira
Pinto. Com a expedição Austríaco-Bávara de 1817, a investigação naturalística
atinge o seu ponto alto. In: A Ornitologia do Brasil através das idades (século
XVI ao século XIX). Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1979, 117p.
Olivério Pinto. Esboço
monográfico dos Columbidae brasileiros. Arquivos de Zoologia do Estado de São
Paulo, v.VII, art. III, p. 241-324, 1949.
Rolinha-do-planalto.
Consultado em 02 de setembro de 2017. Disponível em: http://www.naturezaeconservacao.eco.br/2016/05/rolinha-do-planalto-e-fotografada-na.html
Urumutum. Consultado em 02
de setembro de 2017. Disponível em: http://www.hbw.com/ibc/species/nocturnal-curassow-nothocrax-urumutum