sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O COM-COM DA RESTINGA


OU
 FORMIGUEIRO-DO-LITORAL
Môsar Lemos

Mais conhecido como Formigueiro-do-litoral, o Formicivora littoralis é uma figurinha rara. Também pudera. Restrito, melhor dizendo endêmico, ao ecossistema mais devastado em nosso país, carrega o peso de ser a única ave endêmica da restinga no Brasil. Pior ainda só ocorre no RJ e na região dos lagos.
É um passarinho da família Thamnophilidae que ocorre em uma faixa litorânea que abrange os municípios de Araruama, Saquarema, Iguaba Grande, Arraial do Cabo, São Pedro D’aldeia e Cabo Frio. Mora bem e resiste bravamente a especulação imobiliária.
Quando foi proposto por Luiz Pedreira Gonzaga e José Fernando Pacheco em 1990, a caracterização do táxon, o passarinho seria na verdade uma subespécie de Formicivora serrana, batizado como Formicivora serrana littoralis



A fêmea 


O macho

Em 1992 outro pesquisador,  Collar e seus colaboradores estudaram o passarinho e chegaram a conclusão que ele era uma espécie separada, e ele passou a ser o nosso conhecido Formicivora littoralis.



Restinga de Tucuns, em Búzios (RJ) 


Restinga de Tucuns, em Búzios (RJ) 


Parte alta adjacente à restinga. Aqui é na praia de José Gonçalves, limítrofe à Praia de Tucuns.

Para entender melhor a situação: Formicivora serrana foi descrita por Hellmayr em 1929 Ele coletou exemplares em Minas Gerais. Gonzaga e Pacheco descreveram as subespécies Formicivora serrana interposita com exemplares coletados em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, e Formicivora serrana littoralis com espécimes coletados somente no Rio de Janeiro. Segundo eles, Formicivora serrana interposita foi considerada subespécie de Formicivora serrana graças à morfologia e área geográfica intermediária em relação a Formicivora  serrana serrana Formicivora serrana littoralis

O mapa abaixo elaborado por Gonzaga e Pacheco, por ocasião da publicação de suas descobertas, ajuda a entender o porque da separação. É como se houvesse uma gradação entre serra, encosta e praia.




Dá para perceber a divisão: serrana em MG e ES; interposita em MG e RJ e littoralis no RJ. Porém a história ainda não acaba aqui, pois em 1992 Collar e seus colaboradores entenderam que Formicivora serrana littoralis era uma espécie distinta e o grupo ficou dividido, com 2 subespécies de Formicivora serrana (serrana e interposita) Formicivora littoralis como espécie isolada.

Ainda tem mais. 

Em 2011 dois outros pesquisadores Daniel Firme e Marcos Raposo, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, analisaram 146 espécimes (material taxidermizado pertencente a diversas coleções ornitológicas) e concluiram que Formicivora littoralis não é uma espécie válida. O que eles fizeram? Com as peles eles analisaram a cor da plumagem, utilizando um padrão aceito internacionalmente para descrição das cores. Além disso o padrão da distribuição das cores pelo corpo da ave e as características morfológicas externas, como o comprimento das asas e da cauda, a parte do culmen que não é coberta de penas (geralmente dos orifícios nasais até a ponta do bico, a largura do bico na região dos orifícios nasais e a altura do bico na base. Consideraram também a ossificação do crânio para separar adultos de jovens. Assim como nas crianças é possível reconhecer nas aves jovens as suturas que separam os ossos da cabeça. Outras dados como origem, vocalização também foram considerados no estudo. De posse de todas essas informações fizeram uma análise estatística, utilizando a análise de variância e admitindo um erro de no máximo 5%. Na verdade não é um erro, mas a atuação do acaso (foi por acaso) limitada a 5%. De posse dos resultados chegaram a conclusão que não havia diferença entre as populações, e portanto não poderiam considerar o com-com como uma espécie isolada, ou seja voltaria a ser como Gonzaga e Pacheco concluíram em 1990.

E o passarinho? Sabe dessa confusão toda?

Seu nível de ameaça é de "Em perigo", segundo a IUCN. Consta do Red Data Book (IUCN), do Livro Vermelho ICMBio, e da Lista de fauna ameaçada de extinção no RJ, ou seja existe unanimidade com relação a situação crítica dessa ave.
O avanço da ocupação humana nas áreas onde ele ocorre constitui a maior preocupação dos especialistas, pois apesar de existir uma faixa de vegetação separando as rodovias das praias, ocorrem invasões coordenadas com o intuito de estabelecer pequenos núcleos habitacionais como base para a especulação desenfreada. A esperança está em algumas áreas preservadas.



Embora as informações não indiquem a ocorrência do Com-com em Búzios eu continuo procurando ele por lá. As fotos do macho e da fêmea são de autoria do Nigel Voaden e estão disponíveis no Flickr. Não foram feitas em Búzios.




Não fotografei o Com-com, mas participei da foto de Athene cunicularia!


Coruja-buraqueira na restinga em Tucuns, 

Para saber mais sobre o assunto.

1) Two new subspecies of Formicivora serrana. LP Gonzaga e JF Pacheco. Bulletin of the British Ornithologists' Club, volume 110, páginas 187-193, 1990.

2) NJ Collar, LP Gonzaga, N Krabbe, A Madrono Nieto, LG Naranjo, TA Parker, e DC Wege. Threatened birds of the Americas: the ICBP/IUCN Red Data Book. International Council for Bird Preservation, Cambridge, 1150 pp. 1992.

3) Taxonomy and geographic variation of Formicivora serrana (Hellmayr, 1929) and Formicivora littoralis Gonzaga and Pacheco, 1990 (Aves: Passeriformes: Thamnophilidae).DH Firme e MA Raposo.  Zootaxa, v. 2742, p. 1–33, 2011

3) IUCN.  www.iucnredlist.org/details/22724412/0






terça-feira, 3 de maio de 2016

DIA INTERNACIONAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE OS ABUTRES (IVAD 2016)




Môsar Lemos


Urubu rei (Sarcoramphus papa). Fonte http://ibc.lynxeds.com

O Dia Internacional de Conscientização sobre os Abutres é comemorado anualmente no primeiro sábado do mês de setembro.
Os abutres formam um grupo de aves ecologicamente vital e que enfrentam uma série de ameaças em muitas áreas onde eles ocorrem. As populações de muitas espécies de abutres estão sobre pressão, com algumas espécies gravemente ameaçadas de extinção.
O Dia Internacional de Conscientização sobre os Abutres  tem como objetivo educar um público relutante sobre papel crítico destas criaturas para o bem-estar do ambiente. Como os abutres tradicionalmente são vistos como representantes da morte e da decadência, os conservacionistas envolvidos em preservá-los têm enfrentado uma batalha difícil nos esforços de obtenção de recursos e na tentativa de transformá-la em uma causa mais simpática.
O papel fundamental dos abutres na sinalização da presença de um cadáver para outros necrófagos evita a disseminação de patógenos e ajuda a manter a natureza livre das doenças.

O Dia Internacional de Conscientização sobre os Abutres (IVAD) cresceu a partir do Dia de Conscientização sobre os Abutres realizado pelo “Birds of Prey Programme” na África do Sul e “The Hawk Conservancy Trust” na Inglaterra que decidiram trabalhar junto e expandir a iniciativa como um evento internacional
Este dia é atualmente reconhecido como um dia coordenado internacionalmente que divulga a conservação dos abutres para um grande número de pessoas e enfatiza o importante trabalho realizado pelos conservacionistas em favor dos abutres pelo mundo afora.
No primeiro sábado de setembro a meta é que cada organização participante promova suas próprias atividades que enfatizem a conscientização e conservação dos abutres. O website do grupo, criado em 2009, (www.vultureday.org) provê um local centralizado para todos os participantes listarem estas atividades e visualizar a extensão dos programas de conservação dos abutres ao redor do mundo.
Adicionalmente a página é recurso valioso para os pesquisadores de abutres lerem sobre as atividades dos colegas e inclusive desenvolver novas colaborações e trocar informações.

Logo do ano passado




Em 2016 o IVAD ocorrerá em 03 de setembro. Acompanhe aqui no blog!




ABUTRES BRASILEIROS


Môsar Lemos



Urubus (Coragys atratus) comendo uma carcaça de cachorro


Os urubus formam um grupo de aves ecologicamente vital que enfrenta uma série de ameaças em muitas áreas onde ocorrem. As populações de muitas espécies estão sob pressão e algumas espécies estão ameaçadas de extinção. O Dia Internacional de Conscientização sobre os Urubus cresceu a partir dos esforços do Birds of Prey Programme na África do Sul e do Hawk Conservancy Trust na Inglaterra, que decidiram trabalhar juntos e ampliar a iniciativa em um evento internacional. Hoje é reconhecido que um dia internacional bem coordenado promove a conscientização sobre os urubus e a necessidade de sua preservação para um público mais amplo e oferece a possibilidade de divulgação do importante trabalho realizado por ambientalistas em todo o mundo.

É uma iniciativa anual para promover em escala mundial, a partir da participação local, o conhecimento sobre o papel ecológico dos urubus, as ameaças a que estão submetidos e as necessidades de conservação para cada espécie. Os urubus contribuem de forma decisiva para a manutenção da saúde do ambiente, eliminando os restos de animais mortos e evitando dessa forma a proliferação de enfermidades, sendo tradicionalmente um grande aliado dos pecuaristas, que economizam grandes quantias com a eliminação de carcaças. Além disso, os urubus simbolizam a possibilidade de convivência e cooperação entre a fauna e os seres humanos.
No Brasil ocorrem seis espécies de urubus. Alguns mais conhecidos e outros nem tanto. Aqui em Niterói podemos encontrar três delas. O urubu-comum (Coragyps atratus) pode ser visto com muita facilidade nos campos, nas praias e sobrevoando a cidade, cumprindo sua tarefa diária de remoção de cadáveres de animais mortos nas rodovias, nas praias, etc. Os outros dois são o urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura) e o urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus), mais difícil de serem vistos, embora estejam voando por aí, às vezes junto com o urubu-comum, passando despercebido para quem não está acostumado a apreciá-los.
Urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura). Fonte: www.ibc.lynxeds.com

            Existe outro urubu que tem a cabeça amarela, porém chamado de urubu-da-mata (Cathartes melambrotus) que ocorre na região norte e parte do centro-oeste do Brasil.
O quinto urubu brasileiro é o belíssimo urubu-rei (Sarcoramphus papa) que anda sumido aqui do nosso estado, principalmente devido ao desflorestamento e também a captura e a caça ilegal. Entretanto ainda pode ser encontrado em áreas de florestas bem preservadas como Itatiaia, Angra dos Reis e na Serra dos Órgãos.
Urubu-rei (Sarcoramphus papa). Fonte : www.ibc.lynxeds.com 
            Existem informações de que o condor-dos-Andes (Vultur griphus) ocorre no Brasil Central, na região do Rio Jaurú em Mato Grosso e no noroeste do Paraná.


             Vamos olhar os urubus com outros olhos?

ANU BRANCO TENTANDO CAPTURAR GUARACAVA-DE-BARRIGA-AMARELA



Môsar Lemos



Presenciei um episódio bastante singular neste final de semana. Estava no sítio em Armação dos Búzios (RJ) e como já faz algum tempo sem chuva na região, o solo está ressecado e as pequenas poças de água completamente secas. Até o brejo conhecido como “brejo da malhada” está seco. As garças e socós sumiram da área. A disponibilidade de água é mínima e as aves podem contar apenas com as bromélias. Durante o inverno, embora com pouca chuva, o sereno molha eficientemente a vegetação como se houvesse chovido durante a noite, mas agora este fenômeno não ocorre.
Maricá (Mimosa bimucromata).

Como de hábito resolvi molhar as plantas mais necessitadas de água usando uma mangueira que permite fazer um movimento semicircular de aspersão em vários pontos. Estava posicionado atrás de um maricá dirigindo jato de água para uma guabiroba, quando uma guaracava pousou a menos de um metro de distância, com o bico aberto, ofegante e indecisa quanto a ir adiante. Julguei que devido ao calor muito forte ela fora atraída pela água. Logo ela voou em direção aos arbustos e em seguida dois anus brancos pousaram exatamente no mesmo galho onde ela estivera pousada. Custei a entender o que estava acontecendo. Os anus também tinham sede? Em seguida percebi que se tratava de um comportamento alimentar: os anus estavam caçando a guaracava! Já havia presenciado em outra ocasião os anus brancos devorando um tiziu, mas não lembrava esta faceta do comportamento dos anus brancos.


Nada melhor que andar no campo para aprender coisas novas e relembrar o que estava esquecido.

Anu branco (Guira guira). Fonte: www.ibc.lynxeds.com 

O anu branco (Guira guira) é um cuculídeo com cerca de 40 centímetros, sem dimorfismo sexual evidente e que ocorre em todo o Brasil. Na região amazônica ocorre na Bolívia, e ao sul do Brasil no Uruguai e na Argentina. Anda e voa pelos campos em bandos, emitindo seu assovio característico (http://www.xeno-canto.org/species/Guira-guira) e caçando artrópodes, lagartos e anfíbios. Predam também pequenos roedores e aves. 

Os ovos são belíssimos de coloração azul salpicado de branco. São ásperos ao toque graças a intensa deposição de cálcio sobre a casca. Costumam fazer ninhos coletivos, mas alguns casais fazem ninhos individuais. Em algumas ocasiões um ovo pode cair do ninho. (http://ibc.lynxeds.com/photo/guira-cuckoo-guira-guira/egg-found-grass-near-bush-where-flock-guira-guira-have-nests-farm-nea).

Guaracava-de-barriga-amarela (Elaenia flavogaster). Fonte: www.ibc.lynxeds.com


A guaracava de barriga amarela (Elaenia flavogaster) é um passarinho da família Tyrannidae de coloração verde oliva e com amarelo na região abdominal. Apresenta penas eréteis na cabeça.

O tiziu é um passarinho pequeno, menor que um coleirinho, todo preto brilhoso, que pode ser vistos nos capinzais. Tem uma forma engraçada de se comportar enquanto canta dando saltos e cambalhotas para o ar. Sua voz e onomatopaica (ti-ziu). Veja um video em

http://ibc.lynxeds.com/video/blue-black-grassquit-volatinia-jacarina/male-displaying




Tiziu (Volatinia jacarina). ACS Bressan

Quando comecei a escrever esta postagem o tempo estava muito quente e seco. Agora janeiro de 2016, finalmente está chovendo bastante! 

DIA INTERNACIONAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE OS URUBUS


Môsar Lemos



Os urubus formam um grupo de aves ecologicamente vital que enfrenta uma série de ameaças em muitas áreas onde ocorrem. As populações de muitas espécies estão sob pressão e algumas espécies estão ameaçadas de extinção. O Dia Internacional de Conscientização sobre os Urubus cresceu a partir dos esforços do Birds of Prey Programme na África do Sul e do Hawk Conservancy Trust na Inglaterra, que decidiram trabalhar juntos e ampliar a iniciativa em um evento internacional. Hoje é reconhecido que um dia internacional bem coordenado promove a conscientização sobre os urubus e a necessidade de sua preservação para um público mais amplo e oferece a possibilidade de divulgação do importante trabalho realizado por ambientalistas em todo o mundo.

É uma iniciativa anual para promover em escala mundial, a partir da participação local, o conhecimento sobre o papel ecológico dos urubus, as ameaças a que estão submetidos e as necessidades de conservação para cada espécie. Os urubus contribuem de forma decisiva para a manutenção da saúde do ambiente, eliminando os restos de animais mortos e evitando dessa forma a proliferação de enfermidades, sendo tradicionalmente um grande aliado dos pecuaristas, que economizam grandes quantias com a eliminação de carcaças. Além disso, os urubus simbolizam os grandes espaços selvagens e a possibilidade de convivência e cooperação entre a fauna e os seres humanos.
No Brasil ocorrem seis espécies de urubus. Alguns mais conhecidos e outros nem tanto. Aqui em Niterói podemos encontrar três delas. O urubu-comum (Coragyps atratus) pode ser visto com muita facilidade nos campos, nas praias e sobrevoando a cidade, cumprindo sua tarefa diária de remoção de cadáveres de animais mortos nas rodovias, nas praias, etc. Os outros dois são o urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura) e o urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus), mais difíceis de ser vistos, embora estejam voando por aí, às vezes junto com o urubu-comum, passando despercebido para quem não está acostumado a apreciá-los.
            Existe outro urubu que tem a cabeça amarela, porém chamado de urubu-da-mata (Cathartes melambrotus) que ocorre na região norte e parte do centro-oeste do Brasil.
O quinto urubu brasileiro é o belíssimo urubu-rei (Sarcoramphus papa) que anda sumido aqui do nosso estado, principalmente devido ao desflorestamento e também a captura e a caça ilegal. Entretanto ainda pode ser encontrado em áreas de florestas bem preservadas como Itatiaia, Angra dos Reis e na Serra dos Órgãos.
            Existem informações de que o condor-dos-Andes (Vultur griphus) ocorre no Brasil Central, na região do Rio Jaurú em Mato Grosso e no noroeste do Paraná.
             Vamos olhar os urubus com outros olhos?

CLEPTOPARASITISMO POR AVES DE RAPINA




Andréa de Andrade Rangel de Freitas e Môsar Lemos.

  Introdução

O cleptoparasitismo é um mecanismo de interação no qual um organismo rouba algum recurso, geralmente alimento, que outro capturou ou mesmo deixou armazenado. O cleptoparasita se beneficia tanto por obter uma presa ou outro recurso que não conseguiria sozinho como pelo ganho de tempo e diminuição do esforço para consegui-lo. Esse tipo de interação é utilizado como estratégia de forrageamento por diversos grupos de animais vertebrados como aves e mamíferos e invertebrados como insetos e aracnídeos. O cleptoparasitismo é denominado intraespecífico quando os dois organismos envolvidos são da mesma espécie ou interespecífico, quando são de espécies diferentes (Danko e Mihók, 2007).

Revisão de literatura

            Segundo Jorge e Lingle (1998) o cleptoparasitismo a outras aves foi uma das formas utilizadas por Haliaeetus leucocephalus para obter alimento nos lagos e rios, em Nebraska, EUA. As vítimas foram Buteo regalis, Buteo jamaicensis,Buteo lagopusAquila chrysaetus e membros da própria espécie. O roubo de presas ocorreu com maior freqüência durante o inverno rigoroso de 1978-1979, quando o gelo sobre a água restringia a pesca das águias. O cleptoparasitismo ocorreu principalmente em áreas agrícolas, onde bandos de Anas platyrhynchos(patos Mallard) se alimentavam e podiam ser predados. As águias jovens que obesrvavam os adultos logo participaram do cleptoparasitismo e o utilizaram em invernos posteriores. Segundo os autores, isso sugere que esta forma de obter o alimento é um padrão de comportamento aprendido.
            Embora os incidentes de cleptoparasitismo envolvendo Haliaeetus leucocephalus sejam freqüentes (Fischer, 1985; Sobkowiak e Titman, 1989; Wattet al., 1995), os episódios de furto de presa por aves contra mamíferos são relativamente raros (Brockman e Barnard, 1979). No entanto, Watt et al. (1995) relataram episódios de roubo de alimento de Enhydra lutris (lontra marinha) porHaliaeetus leucocephalus no Alaska entre junho de 1992 e março de 1994. Foram observados nove episódios de cleptoparasitismo pela águia. Todos os episódios ocorreram no inverno e envolveram lontras que foram até a superfície da água caçar ou ingerir peixes (Aptocyclus ventricosus). Em uma das tentativas, a águia mergulhou de um poleiro localizado em um penhasco e apanhou um peixe de uma lontra que foi à superfície com a presa. A lontra pareceu não perceber a aproximação da águia e não teve oportunidade de evitá-la. Essa interação entre águia e lontra marinha ocorreu somente entre janeiro e junho, quando as lontras estão em período reprodutivo. Durante este período o número de lontras e o consumo de peixes aumentaram drasticamente. Os outros alimentos de pequeno tamanho não foram de interesse das águias. A ação evasiva das lontras em atentados que falharam sugere que elas estavam atentas ao potencial prejuízo que as águias representavam e mantinham vigilância à comida. Segundo os autores, isso sugere que o efeito surpresa é importante para o sucesso do parasitismo da águia.            
Entre janeiro e outubro de 1990, Estrella e Rodrigues (1992) relataram dez incidentes de cleptoparasitismo por Caracara plancus, sendo seis interespecífico (cinco sobre Cathartes aura e um sobre Parabuteo unicinctus) e quatro intraespecíficos de imaturos sobre adultos. Os autores sugerem que o cleptoparaitimo em carcará pode ocorrer e/ou ser promovido por interação na área de alimentação, uma conduta de forrageamento oportunista e a presença de recursos alimentares primários diminuídos.
Em dezembro de 2005 o segundo autor observou dois carcarás jovens entre um grupo de urubus (Coragyps atratus) na praia de Jaconé, Estado do Rio de Janeiro. Havia diversos sacos plásticos contendo lixo deixado pelos moradores para a coleta pelo caminhão da limpeza urbana. O grupo de urubus tentava abrir os sacos rasgando-os com o bico, enquanto os carcarás agarravam os sacos com as garras e jogavam para cima, como se estivessem tentando “matar a presa”. No momento em que os urubus obtiveram sucesso retirando restos de alimento de dentro do saco (pareciam restos de galinha) os jovens carcarás avançaram sobre eles tomando a “presa”. O comportamento parece ter sido copiado dos próprios urubus que lutam entre si na disputa dos pedaços de alimento. Os urubus foram vistos em outras oportunidades vasculhando e disputando os sacos de lixo, porém os carcarás foram vistos apenas naquela ocasião.
Durante um trabalho de observação de uma população de Aquila heliacano leste da Slovakia entre abril de 1992 e março de 2003, Danko e Mihók (2007) relataram diversos episódios de cleptoparasitismo envolvendo a espécie. Segundo os autores esta forma de obter alimento é relativamente comum para estas águias. Em primeiro de abril de 1992, um Falco cherrug macho foi avistado em atividade de caça enquanto uma águia sobrevoava em círculos o local. Durante a tentativa de captura de um roedor pelo falcão, a águia iniciou uma perseguição, à uma distância de 1,5 Km da superfície de vôo e do ataque do falcão. A águia não obteve êxito, mas quando os filhotes dos dois casais da região cresceram, ambos caçaram juntos e então os falcões tiveram menos chance de carregar suas presas abatidas para o ninho. Segundo os autores, como consequência do cleptoparasitismo de A. heliaca, todos os jovens falcões morreram na fase de ninho naquele ano.
Frirz (1998) sugere que o comportamento de caça persistente voando e peneirando acima do solo de Falco tinnunculus demanda grande consumo de energia e foi o fator determinante do cleptoparasitismo desta espécie sobre Asio flammeus durante o inverno de 1996-1997 no oeste da França. Foram registrados 25 ataques, sendo nove bem sucedidos durante 16 tardes de observação (70 h). O roubo de alimento obteve maior êxito quando realizado por um casal, estando a fêmea sempre à frente dos ataques.
            Clark e Schmitt (1993) no dia dez de janeiro de 1991, no leste de Gujarat, Índia observaram um macho de Circus pygargus (Montagu’s Harrier) adulto alimentando-se no solo. Ao se aproximarem para fotografar a ave a 15 m, ela voou levando a presa. Durante o voou, um Falco chicquera (Red-headed falcon) adulto iniciou uma perseguição que durou mais de um minuto e terminou com a queda da presa. O falcão desceu rápido e a capturou no ar, voando em seguida para um poste onde começou a comê-la. A presa roubada foi a metade posterior de um pequeno marsupial (Bandiocota sp).
            Clark et al. (1989) em quatro de janeiro de 1984, em Vera Cruz, México observaram um jovem Falco femoralis macho voar e retornar para o mesmo poste com uma presa. Alguns minutos depois o falcão fez um vôo curto, direto e em linha reta na direção de uma garça azul (Egretta caerulea) localizada no solo à cerca de 20 m de distância. A garça voou com a aproximação do falcão deixando um camarão (Cambaru diogenes) que foi então pego pelo F. femoralis.  Em seguida o falcão retornou para o poste onde consumiu a presa, repetindo a mesma conduta contra outras garças em uma atitude idêntica. Os autores ressaltam que crustáceos parecem ser uma presa atípica para estes falcões e que este foi o primeiro relato de cleptoparasitismo por F. femoralis.
            Na província de Bizkaia, norte da Espanha, Zuberogoitia et al. (2002) estudaram entre setembro de 2000 e agosto de 2001 a composição da dieta deFalco peregrinus, relatando 931 presas de 97 espécies diferentes presentes nos ninhos. Em 1997 os autores encontraram ossos de coelho (Oryctolagus cuniculus) e de galiha doméstica (Gallus gallus) em um dos ninhos. Essas presas não são comumente encontradas na dieta dos peregrinos (Zuberogoitia et al.2002 apud Raticliffe, 1993). Em 2001 foram encontrados novamente um coelho em pedaços durante o inverno e outro durante o período reprodutivo junto com seis restos de cordeiro. Devido à extrema escassez de coelhos na área de estudo, a presença do cordeiro e outros animais de criação, e a existência de um depósito de lixo localizado a um quilômetro do ninho do peregrino os autores suspeitaram que os alimentos não foram caçados e sim coletados. Para determinar como isso ocorreu, os pesquisadores montaram um ponto de observação próximo ao depósito de lixo.  Além da caça de passeriformes e columbiformes, relataram um grupo de 70 Corvus corone (Carrion Crow)alimentando-se no lixo. Quando os corvos partiram para a montanha, um jovem peregrino que estava sendo criado no ninho aproximou-se do lixo, e investiu sobre os corvos. Ele gastou mais de 30 minutos mergulhando sobre os corvos, mas não obteve nenhuma presa. No dia seguinte, repetiu sem sucesso as mesmas investidas. Dessa vez por um período de 45 minutos. Os Corvus coronesão aves fortes que podem causar injúrias aos peregrinos. Dois dias depois, os pesquisadores relataram gritos dos corvos e avistaram um peregrino adulto voando no meio do grupo dos corvos carregando um pedaço de alimento, sugerindo um episódio de cleptoparasitismo.

Discussão e conclusão

            Brockman e Barnard (1979) enumeram algumas condições ecológicas que favorecem o desenvolvimento deste comportamento: deficiência de alimento primário, abundância de alimentos alternativos, recursos alimentares primários e alternativos escassos, grande concentração de hospedeiro e alimento visível. Além desses fatores, Paulsen (1985) considera que áreas abertas também contribuem para a ocorrência do cleptoparasitismo. Isso porque nestas áreas o cleptoparasita pode observar e encontrar os hospedeiros mais facilmente, a captura e transporte das presas tornam-se visíveis a grandes distâncias, o cleptoparasita dificilmente consegue se esconder e os itens predados podem ser facilmente encontrados quando são abandonados pelo hospedeiro.     
            Temeles e Wellicome (1992) avaliaram os efeitos das condições climáticas no comportamento social das aves de rapina na região de Britsh Columbia, Canadá. A pesquisa foi realizada de quatro a vinte sete de fevereiro de 1990, totalizando 37 horas em período diurno. Foram comparados dados relativos à presença de nevada na região sobre as espécies: Haliaeetus leucocephalus(Bald Eagle), Buteo lagopus (Rough-legged Hawks)Circus cyaneus (Northern Harriers) e Asio flammeus (short-eared Owls). A cobertura de neve aumentou drasticamente a freqüência de cleptoparasitismo em todas as espécies de rapinantes, sendo Circus cyaneus a espécie mais envolvida (Tabela 01). Foram relatadas 49 tentativas de roubo de presas: dois por Haliaeetus leucocephalus,13 por Buteo lagopus, 34 por Circus cyaneus. As vítimas foram: um Buteo lagopus, 23 Circus cyaneus e 25 Asio flammeus.  Também foram testemunhados, em quatro ocasiões, dois atentados simultâneos para roubo de uma mesma vítima e nove casos de tentativas de cleptoparasitismo seqüenciais: Buteo lagopus roubou uma presa de Asio flammeus e em seguida foi roubado porCircus cyaneus. Todas as presas capturadas pelos quatro rapinantes foram da mesma espécie de roedor (Microtus lownsendii).

Tabela 01 – Efeitos da neve no forrageamento de Circus cyaneus (Northern Harriers)
VARIÁVEL
NEVE
PRESENTE
AUSENTE
Tentativa de captura de presa
28
44
Presas obtidas por caça
12
1
Sucesso de captura
12
1
Tentativa de cleptoparasitismo
34
0
Sucesso de cleptoparasitismo
17
-
Fonte: Temeles e Wellicome (1992)

Granzinolli (2003) avaliou a ecologia alimentar de Buteo albicaudatus no sudeste de Minas Gerais e constatou que no período de maior abundância de pequenos mamíferos (estação seca), ocorreu uma seletividade por parte do gavião. Entretanto na época de menor abundância desses pequenos mamíferos (estação chuvosa), houve um oportunismo por parte do predador. Tal oportunismo foi representado pela ingestão de presas menores do que as de costume, mas presentes em maior número. Mas seria razoável pensar que também possa ocorrer, em condições de baixa abundância de presas primárias, uma mudança de comportamento de caça, havendo, portanto, espaço para o cleptoparasitismo.
O alimento é um recurso crucial para todos os animais, pode-se considerar que a estrutura de uma comunidade baseia-se, em parte, na forma como o alimento é compartilhado entre as espécies, particularmente se o recurso é limitado (Andrew e Chritensen, 2001). O roubo de alimento, portanto, parece estar relacionado a condições adversas de subsistência como estações climáticas rigorosas ou a diminuição quantitativa e qualitativa das presas. Mas fica o questionamento: qual o papel das dispersões e deslocamentos regionais? Até que ponto a ave permanece em um ambiente desfavorável, sem ampliar sua área de caça? Segundo Granzinolli (2003) não existe no Brasil nenhum estudo enfocando respostas de Falconiformes em relação à disponibilidade de presas, havendo a necessidade de tais análises.

Referências

Andrew, S. and Christensen, B. Optimal diet theory: when does it work, and when and why does it fail? Animal Behavior, 61: 379-390, 2001.

Brockman, H. and Barnard, C. Kleptoparasitism in bird. Animal Behavior. 27: 487-514, 1979.

Clark, W.S.; Schmitt, N.J. Red-Headed Falcon Pirates from Montagu’s harrier.Journal Field Ornithology, 64 (2): 244-245, 1993.

Clark, W.S., Bloom, P.H., Oliphant, L.W. Aplomado Falcon Steals Prey from Little Blue Heron. Journal Field Ornithology, 60 (3): 380-381, 1989.

Danko, S. and Mihók, J. Kleptoparasitism by raptors, focusing on the Imperial Eagle (Aquila heliaca). Slovak Raptor Journal, 1: 29-33, 2007.

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