OU
FORMIGUEIRO-DO-LITORAL
Môsar Lemos
Mais conhecido como
Formigueiro-do-litoral, o Formicivora littoralis é
uma figurinha rara. Também pudera. Restrito, melhor dizendo endêmico, ao
ecossistema mais devastado em nosso país, carrega o peso de ser a única ave
endêmica da restinga no Brasil. Pior ainda só ocorre no RJ e na região dos
lagos.
É um passarinho da família
Thamnophilidae que ocorre em uma faixa litorânea que abrange os municípios de
Araruama, Saquarema, Iguaba Grande, Arraial do Cabo, São Pedro D’aldeia e Cabo
Frio. Mora bem e resiste bravamente a especulação imobiliária.
Quando foi proposto por Luiz Pedreira
Gonzaga e José Fernando Pacheco em 1990, a caracterização do táxon, o
passarinho seria na verdade uma subespécie de Formicivora serrana,
batizado como Formicivora serrana littoralis.
A fêmea
O macho
Em 1992 outro pesquisador, Collar e seus
colaboradores estudaram o passarinho e chegaram a conclusão que ele era uma
espécie separada, e ele passou a ser o nosso conhecido Formicivora
littoralis.
Restinga de Tucuns,
em Búzios (RJ)
Restinga de Tucuns,
em Búzios (RJ)
Parte alta adjacente
à restinga. Aqui é na praia de José Gonçalves, limítrofe à Praia de Tucuns.
Para entender melhor a situação: Formicivora
serrana foi descrita por Hellmayr em 1929 Ele coletou exemplares em
Minas Gerais. Gonzaga e Pacheco descreveram as subespécies Formicivora
serrana interposita com exemplares coletados em Minas Gerais e no Rio
de Janeiro, e Formicivora serrana littoralis com espécimes
coletados somente no Rio de Janeiro. Segundo eles, Formicivora serrana
interposita foi considerada subespécie de Formicivora serrana graças
à morfologia e área geográfica intermediária em relação a Formicivora
serrana serrana e Formicivora serrana littoralis.
O mapa abaixo elaborado por Gonzaga e
Pacheco, por ocasião da publicação de suas descobertas, ajuda a entender o
porque da separação. É como se houvesse uma gradação entre serra, encosta e
praia.
Dá para perceber a divisão: serrana em MG e ES;
interposita em MG e RJ e littoralis no RJ. Porém a história ainda não acaba
aqui, pois em 1992 Collar e seus colaboradores entenderam que Formicivora
serrana littoralis era uma espécie distinta e o grupo ficou dividido,
com 2 subespécies de Formicivora serrana (serrana e interposita)
Formicivora littoralis como espécie isolada.
Ainda tem mais.
Em 2011 dois outros pesquisadores Daniel Firme e
Marcos Raposo, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, analisaram 146 espécimes
(material taxidermizado pertencente a diversas coleções ornitológicas) e
concluiram que Formicivora littoralis não é uma espécie
válida. O que eles fizeram? Com as peles eles analisaram a cor da
plumagem, utilizando um padrão aceito internacionalmente para descrição das
cores. Além disso o padrão da distribuição das cores pelo corpo da ave e as
características morfológicas externas, como o comprimento das asas e da cauda,
a parte do culmen que não é coberta de penas (geralmente dos orifícios nasais
até a ponta do bico, a largura do bico na região dos orifícios nasais e a
altura do bico na base. Consideraram também a ossificação do crânio para
separar adultos de jovens. Assim como nas crianças é possível reconhecer nas
aves jovens as suturas que separam os ossos da cabeça. Outras dados como
origem, vocalização também foram considerados no estudo. De posse de todas
essas informações fizeram uma análise estatística, utilizando a análise de
variância e admitindo um erro de no máximo 5%. Na verdade não é um erro, mas a
atuação do acaso (foi por acaso) limitada a 5%. De posse dos resultados
chegaram a conclusão que não havia diferença entre as populações, e portanto
não poderiam considerar o com-com como uma espécie isolada, ou seja voltaria a
ser como Gonzaga e Pacheco concluíram em 1990.
E o passarinho? Sabe dessa confusão toda?
Seu nível de ameaça é de "Em perigo",
segundo a IUCN. Consta do Red Data Book (IUCN), do Livro Vermelho ICMBio, e da
Lista de fauna ameaçada de extinção no RJ, ou seja existe unanimidade com
relação a situação crítica dessa ave.
O avanço da ocupação humana nas áreas onde ele
ocorre constitui a maior preocupação dos especialistas, pois apesar de existir
uma faixa de vegetação separando as rodovias das praias, ocorrem invasões
coordenadas com o intuito de estabelecer pequenos núcleos habitacionais como
base para a especulação desenfreada. A esperança está em algumas áreas preservadas.
Embora as informações não indiquem a ocorrência do
Com-com em Búzios eu continuo procurando ele por lá. As fotos do macho e da
fêmea são de autoria do Nigel Voaden e estão disponíveis no
Flickr. Não foram feitas em Búzios.
Não fotografei o Com-com, mas participei da foto de Athene
cunicularia!
Coruja-buraqueira na
restinga em Tucuns,
Para saber mais sobre o assunto.
1) Two new
subspecies of Formicivora serrana. LP Gonzaga e JF Pacheco. Bulletin of the
British Ornithologists' Club, volume 110, páginas 187-193, 1990.
2) NJ Collar, LP Gonzaga, N
Krabbe, A Madrono Nieto, LG Naranjo, TA Parker, e DC Wege. Threatened birds of the
Americas: the ICBP/IUCN Red Data Book. International Council for Bird
Preservation, Cambridge, 1150 pp. 1992.
3) Taxonomy
and geographic variation of Formicivora serrana (Hellmayr,
1929) and Formicivora littoralis Gonzaga and Pacheco, 1990
(Aves: Passeriformes: Thamnophilidae).DH Firme e MA Raposo. Zootaxa, v. 2742, p. 1–33, 2011
3) IUCN. www.iucnredlist.org/details/22724412/0