Quase
todo mundo algum dia assistiu ao desenho animado do “Papa-léguas”, sempre as
voltas com um coiote que tenta capturá-lo sem sucesso, baseado em animais reais
nativos dos desertos do sudoeste americano. Em um deserto cheio de rodovias, o
faminto Wylie Coiote sempre tenta capturar o Papa-Léguas, encomendando produtos
ACME, uma empresa que fabrica de tudo. O Papa-Léguas passa todos os episódios
ludibriando as tentativas do coiote em capturá-lo. Contando com astúcia,
velocidade ou uma sorte absurda, o Papa-Léguas sempre escapa ileso de todas as
artimanhas altamente criativas de seu arqui-inimigo, porque este sempre acaba
pego por sua própria armadilha. Um fato curioso é que apesar do perseguidor
nunca conseguir devorar seu oponente, em alguns episódios de Tom e Jerry,
Ligeirinho, Frajola e Piu-Piu, eles acabam de uma maneira ou outra obtendo
alguma vitória sobre seus rivais, entretanto com o Papa-Léguas o coiote jamais
terminou um episódio triunfando de alguma forma. Curioso também é que os
desenhos não têm diálogos, excluindo pelo "bip-bip" do Papa-Léguas e
ocasionais placas escritas usadas pelo coiote para se comunicar com o público.
Papa-Léguas e Wylie-Coiote
O
“Papa-léguas” ou “Roadrunner” (Geococcyx
californianus) é uma ave da família
Cuculidae, que habita as áreas desérticas do sudoeste dos Estados Unidos e
norte do México. É a ave símbolo do Novo México. Mede aproximadamente 56 cm de
comprimento, com envergadura de 49 cm. É uma ave que voa pouco, preferindo
correr. Apresenta uma faixa branca na região pós-ocular, uma pequena crista no
alto da cabeça e uma longa cauda. Os sexos são semelhantes, sendo o macho um
pouco maior. Alimentam-se principalmente de insetos, pequenos répteis, aranhas,
escorpiões, pequenos pássaros e roedores. Pode atingir a velocidade de até 30
km/h.
O Papa-Léguas (Geococcyx californianus)
Mas
chega de Papa-Léguas e vamos ao Jacu-de-Estalo.
A
família Cuculidae engloba aves como o papa-léguas, o cuco-europeu, o anu
branco, o anu preto, o anu coroca, o peixe frito, entre outros, e também o
Jacu-de-estalo (Neomorphus geoffroyi) de hábitos florestais e que
busca alimento principalmente no solo, onde se desloca muito rapidamente.
O nome
Jacu-de-Estalo vem dos estalos emitidos pela ave que lembram o som das matracas
de madeira ou mesmo o estalar dos dentes do porco-do-mato. A sua vocalização se
limita a roucos grunhidos, baixos, monossilábicos, que lembra os gemidos do
mutum, ou a vocalização das pombas.
Para quem
não conhece estes sons ouça em
https://www.youtube.com/watch?v=uLLpIgBlxQA
(porco-do-mato)
http://www.xeno-canto.org/explore?query=Neomorphus+geoffroyi
(jacu-de-estalo)
O Jacu-de-estalo (Neomorphus geoffroyi)
Esta é a
primeira foto que conheço do jacu-de-estalo. Foi publicado em um boletim do
Museu de Biologia Mello Leitão, em 1976, pelo professor Augusto Ruschi
(1915-1986), na Reserva Biológica de Sooretama (ES).
Para o
gênero Neomorphus são reconhecidas
quatro espécies: Neomorphus geoffroyi, N.
squamiger, N. rufipennis e N.
pucheranii. Para N. geoffroyi são
aceitas seis subespécies.
Em 2012
foi registrada a presença de Neomorphus
geoffroyi no bioma Caatinga, no município
de Sento Sé (BA).
Veja mais
detalhes na página do CBRO – Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos: https://www.facebook.com/pg/CBRObr/posts/?ref=page_internal
A
subespécie aqui do sudeste é o Neomorphus
geoffroyi dulcis, que ocorre na confluência dos estados de Espirito Santo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro. Tem sido visto com maior frequência na Reserva
Biológica de Sooretama (ES) e no Parque Estadual do Rio Doce (MG). Aqui no RJ,
o ornitólogo Fernando Pacheco relatou a vocalização da ave no Parque Estadual
do Desengano (o parque abrange os municípios de Santa Maria Madalena, Campos
dos Goytacazes e São Fidélis).
Quando
buscam alimentos os jacus-de-estalo correm pelo solo e saltam atrás dos insetos
que levantam voo apanhando-os no ar. Capturam rapidamente aqueles que se
esgueiram no meio da folharada. Grimpam pelos troncos em busca de pequenos
lagartos e insetos. Esfacelam as presas batendo-as contra os troncos ou solo.
As presas menores são esmagadas e engolidas inteiras. Durante as perseguições
correm de forma desembaraçada pelo cipoal da floresta. Acompanham
formigas-de-correição e formigas-de-fogo, aproveitando as presas que as
formigas espantam.
Vejam o vídeo em
https://www.youtube.com/watch?v=BYIMbbK8RuE
(jacu-de-estalo, Canopy Family, Youtube).
Até 1942
quando o Dr Helmut Sick (1910-1991) observou um casal do jacu-de-estalo
acompanhado de um filhote, não se tinha certeza se essa espécie incubava seus
ovos ou eram parasitas de ninhos como outras espécies de cuculídeos. O cuco
europeu (Cuculus canorus) é um exemplo clássico, e entre nós o vira-bosta (Molothrus bonariensis) coloca seus ovos nos ninhos do tico-tico, do
canário-da-terra, entre outras espécies, e vai embora deixando que os
escolhidos incubem os ovos e criem os filhotes. Em alguns lugares do nordeste
de Goiás chamam o vira-bosta de Maria-vadia.
A Maria-vadia está tão bem
adaptada ao parasitismo de ninho, que é capaz de alterar o formato e a coloração dos ovos em
função do hospedeiro escolhido. Mas isso é papo para outra ocasião.
Um ninho de
jacu-de-estalo localizado em um tributário do rio Aripuanã no norte de Mato
Grosso, estava construido em uma forquilha de um arbusto a 2,5 metros de altura. Era construído de grandes galhos e tinha uma câmara plana. O fundo estava
forrado com folhagem seca coberta com folhas verdes. O diâmetro do ninho era de
25 cm e o diâmetro da câmara de 12 cm. Durante a incubação o fundo do ninho
estava sempre coberto com folhas frescas. A postura observada neste ninho era de
um único ovo de coloração branco amarelado sem manchas.
A espécie
Neomorphus geoffroyi é considerada vulnerável no Livro Vermelho da Fauna
Ameaçada de Extinção, da IUCN (União Internacional para Conservação da
Natureza). A subespécie não consta da lista da IUCN.
No Brasil Neomorphus geoffroyi dulcis é
considerada ameçada.
Segundo a
IUCN o tamanho da população global não é conhecido, porém a espécie é
considerada rara. Suspeita-se que a espécie perderá cerca de 25% de habitat
apropriado na sua área de distribuição dentro de três gerações (+/- 13 anos)
com base no modelo de desflorestamento na Amazônia. Entretanto a espécie é
altamente vulnerável a fragmentação florestal e é possível que decline cerca de
50% dentro das três gerações. Depreende-se que a principal ameaça para essa
espécie é o desflorestamento acelerado, com a abertura de clareiras para
criação de gado, produção agrícola ou simples exploração madeireira. O
jacu-de-estalo é fortemente suscetível a degradação e fragmentação florestal devido
a sua dependência de florestas primárias, além de ser vulnerável à caça e
dependente também de mamíferos que são alvos de caçadores, como porcos-do-mato e
primatas. A espécie não faz migrações, sendo naturalmente rara.
Para
melhorar a situação e a sobrevivência da espécie são necessários estudos sobre
seus requerimentos ecológicos e a detecção de potenciais habitats apropriados,
com a expansão da rede de áreas protegidas.
BIP BIP!
Créditos
e consultas
http://monkeyleg.deviantart.com/art/Roadrunner-and-Wylie-Coyote-139493180 (roadrunner e wylie-coiote)
https://www.youtube.com/watch?v=PPdklH6t7dI
(roadrunner, Robert DuHamel, Youtube)
https://www.123rf.com/photo_7648312_greater-roadrunner-geococcyx-californianus-in-the-desert.html
(Geococcyx californianus)
https://www.youtube.com/watch?v=3hwJsaTr3EY
(jacu-de-estalo ReBio Sooretama, Guilherme Cavicchioli, Youtube)
http://www.hbw.com/ibc/species/rufous-vented-ground-cuckoo-neomorphus-geoffroyi (jacu-de-estalo, Internet Bird Collection)