sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O “LEITE DE PAPO” NA ALIMENTAÇÃO DAS AVES


 O “LEITE DE PAPO” NA ALIMENTAÇÃO DAS AVES




Assim como os mamíferos, os filhotes de algumas aves são alimentados com secreções especiais produzidas pelos pais. Ao contrário dos mamíferos, no entanto, ambos os sexos podem produzir tais secreções. A mais conhecida dessas secreções é o "leite de papo" que os pombos (Columba livia) dão aos filhotes.

Convém lembrar que o papo ou inglúvio, uma câmara de armazenamento de alimentos de parede fina e semelhante a um saco que se projeta para fora a partir da parte inferior do esôfago, não é característica de todas as espécies de aves, sendo encontrado apenas em uma minoria, estando bem desenvolvido nos consumidores de sementes e grãos, como os passeriformes, galiformes, psitacídeos, pombos, etc. O papo é uma estrutura que permite às aves coletar e armazenar alimentos rapidamente, minimizando o tempo em que ficariam expostas aos predadores.

Os pombos são particularmente notáveis por sua habilidade em produzir o “leite de pombo”, uma secreção fina, cremosa e nutritiva. Ela é formada pela degeneração de células epiteliais de revestimento do papo. Ela é regurgitada dentro da boca dos filhotes até que eles tenham idade suficiente e sejam capazes de alimentarem-se de grãos como os pais.


 O “leite” produzido é extremamente nutritivo. Em um estudo, pintos domésticos que receberam ração contendo “leite de pombo” eram 16,0% mais pesados ​​no final do experimento do que os pintos que não receberam o suplemento. O “leite de pombo”, que contém mais proteína e gordura do que o leite de vaca ou humano é o alimento exclusivo dos filhotes por vários dias após a eclosão, e os dois adultos alimentam os filhotes por mais de duas semanas. Os pombos jovens não são alimentados com insetos como os filhotes de muitas outras aves comedoras de sementes, sendo o “leite de pombo” um substituto perfeito para fornecer os nutrientes necessários nesta fase crítica.

O hormônio prolactina, secretado pelo lobo anterior da glândula hipófise, estimula e controla a produção do “leite de pombo”, o qual contém água, gordura, proteína e lactose. Tanto os machos como as fêmeas produzem esta secreção que contém 35,0% de gordura. No leite de vaca a percentagem é de 3,0 a 5,0% de gordura.


O leite do flamingo-grande ou flamingo-rosa (Phoenicopterus roseus) contém muito mais gordura e muito menos proteína do que o “leite de pombo”, e sua produção envolve as glândulas que revestem todo o trato digestivo superior. Curiosamente, o “leite” contém uma abundância de glóbulos vermelhos e brancos, que podem ser vistos ao microscópio migrando como amebas através da superfície das glândulas. Os jovens flamingos se alimentam exclusivamente dessa secreção por cerca de dois meses, enquanto desenvolvem o aparelho de alimentação com filtro especial que eles usarão mais tarde para forragear.

Veja um vídeo interessante sobre o “leite vermelho” secretado pelos flamingos para o filhote em: https://veja.abril.com.br/ciencia/nao-e-sangue-video-inusitado-mostra-como-flamingos-alimentam-os-filhotes/


Os filhotes de pinguim-imperador (Aptenodytes forsteri) também podem receber “leite” em algumas circunstâncias. Cada macho incuba um único ovo em seus pés, coberto com uma prega de pele abdominal, por dois meses no inverno antártico, enquanto a fêmea está se alimentando no mar. Se a fêmea não tiver voltado com comida quando o filhote nascer, o macho o alimenta por alguns dias com “leite” secretado pelo esôfago. Após sua breve dieta de “leite”, o filhote será alimentado por regurgitação alternadamente pelo macho e pela fêmea, enquanto viajam um de cada vez até o mar para caçar.



Assim, três grupos muito diferentes de aves desenvolveram a capacidade de produzir “leite” como soluções para problemas muito diferentes: a necessidade de proteína e gordura nos pombos; a necessidade de consumo de alimentos líquidos durante o desenvolvimento do aparato alimentar especializado dos flamingos (o que dificulta a ingestão de qualquer outra forma de alimentação pelos filhotes); e a necessidade de um suplemento alimentar conveniente quando a reprodução ocorre na estéril plataforma de gelo da Antártica, no caso dos pinguins.

Referências

https://www.bonde.com.br/pets/filhotes-de-flamingos-nascem-no-parque-das-aves-502094.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pinguim-imperador#/media/Ficheiro:EmperorPenguinFeedingChick.jpg

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pinguim-imperador#/media/Ficheiro:EmperorPenguinChick.jpg

https://diariodebiologia.com/2017/03/entenda-porque-voce-nunca-ve-os-filhotes-de-pombos/



quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

AVES PROVAVELMENTE EXTINTAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – IV


AVES PROVAVELMENTE EXTINTAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – IV
JACUTINGA

 Por Bruno Girin - originally in Flickr as 06680014 CC BY SA 2 0

Jacutinga
Black-fronted Piping-Guan
Aburria Jacutinga (anteriormente Pipile jacutinga)
Cracidae
Provavelmente extinta
Em outros estados brasileiros
MG, SC e RS (Criticamente ameaçada); SP (Ameaçada); PR (Em perigo); ES (Regionalmente extinta).

    Cracídeo preto e branco de tamanho médio, com cerca de 70 cm. Principalmente preto. Grande mancha branca nas coberteiras das asas, com pontas pretas nas coberteiras menores e medianas. Coroa e nuca branca, e testa preta. Borda branca no pescoço e nas penas na parte superior do peito. Anel perioftálmico branco azulado. Grande barbela vermelha com a base azul na garganta. Bico azul pálido com a ponta preta. Pernas avermelhadas.

    No geral, a jacutinga parece um peru magrinho, que anda pelos galhos das árvores. Passa a maior parte do tempo perambulando e comendo frutas, embora seja uma forrageira oportunista, capaz de capturar pequenos invertebrados. Costumam concentrar-se em árvores frutíferas.

    A voz soa como delicados assobios nasais aflautados. Produz um chacoalhar de asa duro semelhante a uma máquina, durante as exibições territoriais. 

    A jacutinga tornou-se bastante rara nos últimos anos. Restrita à floresta atlântica do sudeste do Brasil e regiões adjacentes da Argentina e Paraguai, a espécie diminuiu significativamente devido à perda de habitat e à caça. 

    O desflorestamento parece ser a causa preponderante na redução drástica das populações da jacutinga, estimada hoje em cerca de 7000 indivíduos adultos em toda sua área de ocorrência, embora a caça seja apontada como a principal causa de desaparecimento da jacutinga. Quanto mais reduzida a floresta, menores são as chances de reprodução e mais favorável à caça furtiva.

   

Aburria jacutinga por Marco Silva

     Pode habitar as florestas úmidas de baixadas, mas ocorre nas montanhas costeiras a 900 m, porém com movimentos latitudinais e altitudinais. Habita tanto as florestas primárias como áreas degradadas com florestas jovens com predominância de embabúbas. Já foi encontrada em monoculturas de Pinus. Parece haver uma forte relação da jacutinga com o palmito-juçara (Euterpes edulis), entretanto alguns estudos demonstraram que as jacutingas se alimentam de mais de 40 espécies de frutos e que ocorrem em florestas onde o palmito-juçara está completamente ausente. Também já foram documentados alimentando-se de flores de diversas árvores. Suplementam a dieta comendo invertebrados ao longo dos cursos d'água, e parece obter sal nos musgos que ocorrem nas pedras nas marges dos riachos de floresta.

    O período reprodutivo vai de finais de agosto até janeiro e geralmente são postos tres ovos brancos que são incubados por cerca de 28 dias. 

    Entre 2007 e 2008 foram reintroduzidos na REGUA (Reserva Ecológica do Guapiaçú), no município de Cachoeiras de Macacu (RJ), quarenta indivíduos oriundos do Criadouro Científico CRAX (Roberto Azeredo). Nove indivíduos foram acompanhados com telemetria após a liberação das aves. Antes da reintrodução, as aves passaram por um período de adaptação em viveiro construído no interior da mata. Não houve mais relatos de avistamentos das aves, e algumas carcaças foram encontradas predadas por cães, e restos de aves mortas por caçadores (asas cortadas para retirada do rádio-colar). Em 2010 iniciou-se um programa chamado Programa de Conservação de Aves Cinegéticas da Mata Atlântica: Reintrodução e Monitoramento de Jacutingas (Aburria jacutinga), mais conhecido como "Projeto jacutinga", conduzido em 2 fases.

    A Fase I (2010-2013) do programa confirmou a raridade da jacutinga na Região da Serra do Mar e a necessidade de um reforço populacional urgente a fim de evitar a extinção local da espécie, considerada Criticamente Ameaçada (CR) de extinção pela lista de animais ameaçados no estado de São Paulo e Em Perigo (EN) de acordo com a lista Nacional de dezembro de 2014. Permaneceu na categoria EN na lista de 2018. No estado do Rio de Janeiro a espécie está extinta, tendo sido avistada pela última vez em 1978 no PARNA Itatiaia e em 1980 na Serra dos Órgãos; o que levou à extensão do programa de reintrodução da ave para a Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA), no município de Cachoeiras de Macacu, estado do Rio de Janeiro.

    A Fase II (2014/2018) visou a reintrodução e monitoramento de jacutingas na região da Serra da Mantiqueira em São Francisco Xavier, em áreas próximas ao Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo Caraguatatuba/São Paulo e na REGUA, no estado do Rio de Janeiro. Entre 2016 e 2018 foram soltas 12 jacutingas na Serra da Mantiqueira e 6 na Serra do Mar.

    Quando da minha última visita à REGUA em fevereiro de 2020 (antes da COVID se alastrar) não logrei avistar nenhuma jacutinga. Infelizmente. Mas isso não significa que elas não estejam por lá! Não conheço as outras áreas do projeto. 

  

Viveiro de adaptação no interior da mata, na REGUA.

Para ouvir vocalizações da jacutinga:

https://www.xeno-canto.org/species/Pipile-jacutinga

REFERÊNCIAS:

CHRISTINE S. S. BERNARDO, HUW LLOYD, FÁBIO OLMOS, L. F. CANCIAN, MAURO GALETTI. Using post-release monitoring data to optimize avian reintroduction programs: a 2-year case study from the Brazilian Atlantic Rainforest. Animal Conservation, v.14, p.676-686, 2011.

CHRISTINE S. S. BERNARDO, PAULO RUBIM, RAFAEL S. BUENO, RODRIGO A. BEGOTTI, FERNANDA MEIRELLES, CAMILA I. DONATTI, CAROLINA DENZIN, CARLA E. STEFFLER, RENATO M. MARQUES, RICARDO S. BOVENDORP, SABRINA K. GOBBO e MAURO GALETTI. Density estimates of the black-fronted piping guan in the brazilian atlantic rainforest. The Wilson Journal of Ornithology, v.123, n.4, p.690-698, 2011.

CHRISTINE S. S. BERNARDO, HUW LLOYD, NICHOLAS BAYLY, MAURO GALETTI. Modelling post-release survival of reintroduced Red-billed Curassows Crax blumenbachii. Ibis, v.153, p.562–572, 2011.

CHRISTINE S. S. BERNARDO, NICHOLAS LOCKE. Reintroduction of red-billed curassow Crax blumenbachii to Guapiaçu Ecological Reserve, Brazil. Conservation Evidence, v.11, p.7-7, 2014.

FRANCISCO MALLET-RODRIGUES, JOSÉ FERNANDO PACHECO. The local conservation status of the regionally rarest bird species in the state of Rio de Janeiro, southeastern Brazil. Journal of Threatened Taxa, v.7, n.9, p.7510-7537, 2015.

MAURO GALETTI, PAULO MARTUSCELLI, FÁBIO OLMOS E ALEXANDRE ALEIXO. Ecology and conservation of the jacutinga (Pipile jacutinga) in the Atlantic Forest of Brasil. Biological Conservation v.82, p.31-39, 1997.

 

https://www.iucnredlist.org/species/22678429/132049346

https://birdsoftheworld.org/bow/species/bfpgua1/cur/introduction