quarta-feira, 6 de setembro de 2017

A PRINCESA LEOPOLDINA E AS AVES BRASILEIRAS

A princesa Leopoldina e as aves brasileiras

Aproveitando o momento em que a novela “Novo Mundo”, embora de forma jocosa, nos traz um pouco da história do Brasil em um período crucial para as mudanças que definiram os destinos da jovem nação, que segundo o historiador Laurentino Gomes, “um país que tinha tudo para dar errado”.
D Leopoldina. Retrato de Joseph Kreutzinger 1815

Na obra televisiva a princesa é interpretada pela atriz Letícia Colin.

Leticia Colin, caracterizada como D Leopoldina



Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo, foi a primeira imperatriz brasileira, e ficou mais conhecida como a princesa Leopoldina. Casou-se com o príncipe D. Pedro I (no papel) em 03 de julho de 1817 e chegou ao Rio de Janeiro em 05 de novembro de 1817.
A princesa nasceu em 1797 na Áustria, filha do Imperador Francisco I. Possuía o sangue de uma das linhagens mais antigas da Europa, os Habsburgo.
O historiador Alberto Rangel escreveu sobre ela: “uma louraça feiarrona”.
A princesa além de virtuosa, culta, era uma intelectual apaixonada por mineralogia. Colecionava rochas, plantas, borboletas e outros animais. Na bagagem além do enxoval, presentes de casamento e todas aquelas coisas que as mulheres sempre carregam, trouxe uma biblioteca e as coleções de ciências naturais.
Na sua comitiva além das damas-da-corte, camareiras, pajens, mordomo, guarda pessoal e um capelão, a princesa trouxe a maior expedição cientifica que até aquele momento visitara o Brasil. Entre os sábios senhores estavam o mineralogista Johann Baptist Emmanuel Pohl e o bibliotecário Rochus Schuech que na verdade também era mineralogista!
Dizem os historiadores que a princesa desempenhou um papel fundamental na independência do Brasil. Era amada pelo povo especialmente por aqueles mais humildes e abandonados pela sorte. Chegou a endividar-se para não deixar acabar o programa de assistência social que mantinha.
Tal atitude deveria servir de exemplo para nossos governantes atuais que deixam os aposentados a míngua enquanto se locupletam com o dinheiro público!
        Mas e as aves?
        Pois é, a princesa trouxe 2 senhores que foram definitivos para a Ornitologia brasileira. O austríaco Johann Natterer e o alemão Johann Baptist von Spix. 

Johann Natterer


Johann Baptist von Spix

Junto com Spix veio também outro alemão, Karl Philipp von Martius, botânico que nos legou a inestimável “Flora Brasiliensis”. Estes três homens cortaram o Brasil de fora a fora durante duas décadas,

Karl Philipp von Martius



A obra "Flora Brasiliensis" está disponível como Flora Brasiliensis On Line no endereço www.florabrasiliensis.cria.org.br

A Spix devemos a descoberta de raridades como Nothocrax urumutum, um mutum de hábitos noturnos da região do alto Rio Negro (AM) e da ararinha-azul do noroeste da Bahia e sul do Piauí, batizada como Cyanopsitta spixii em sua homenagem. 

Nothocrax urumutum



Cyanopsitta spixii

Natterer coletou preciosidades como Dromococcyx pavoninus  e Columbina (Oxypelia) cyanopis.


 Dromococcyx pavoninus


Columbina cyanopis

A rolinha-do-planalto (Columbina cyanopis) embora tenho sido coletada por Natterer na região de Cuiabá, só foi descrita por Pelzeln em 1870 como Peristera cyanopis, revisada por Salvadori em 1893 como Oxypelia cyanopis.
Acreditava-se estar extinta, dada a escassez de informações. A ave era conhecida de poucas peles em museus, além das originais coletadas por Natterer.
Em 1904 Emílio Garbe coletou um macho em Itapura no noroeste de São Paulo. Depois só em 1940 foi coletado outro exemplar macho em Rio Verde, no sul de Goiás, por W. Garbe (filho de E Garbe). O mesmo W. Garbe em 1941 coletou uma fêmea adulta, na mesma região.
Passaram-se 75 anos sem notícias da ave, ate que em 2015 o ornitólogo Rafael Bessa a reencontrou em região de cerrado no interior de Minas Gerais. A população contada até o momento é de 12 indivíduos. A ave está criticamente ameaçada de extinção e a população está em declínio, segundo a IUCN. Para saber mais veja:


Embora um pouco melhor a história da ararinha-azul não é muito diferente. Coletada por Spix em 1819 na região próxima a cidade de Joazeiro (BA), foi descrita em 1832 por Wagler como Sittace spixii. Em 1854 Bonaparte nomeou a ararinha-azul como Cyanopsitta spixii, com base no material analisado por Wagler.
Em 1991 a ave de Curaçá (BA) foi considerada como o último indivíduo em vida livre, tendo desaparecido posteriormente em 2000, sendo considerada como extinta em natureza havendo, entretanto diversos exemplares em cativeiro, principalmente fora do Brasil.
Afortunadamente em 2016 foi avistado um individuo solitário na fazenda Caraibeira, na região de Curaçá (BA).

Veja o vídeo gravado pelas moradoras da fazenda.





Voltando aos naturalistas viajantes.


Johann Natterer nasceu em Luxemburg, perto de Viena em 09/11/1787. Quando chegou ao Brasil em 1817, era assistente no Museu de Viena, sendo considerado até hoje como um dos mais diligentes zoólogos colecionadores. Ao seu vasto conhecimento de naturalista unia uma extrema habilidade como caçador e uma apurada técnica como taxidermista. Era meticuloso na identificação do material que coletava, etiquetando cada exemplar e anotando em um diário todos os dados possíveis referentes a cada exemplar coletado.
Natterer trabalhou no Brasil de 1817 a 1835 e só não coletou no extremo sul e na faixa litorânea que vai do Rio de Janeiro até a foz do rio Amazonas. Natterer coletou 12.293 exemplares de aves representando 1.200 espécies.
Quando retornou a Áustria foi promovido a adjunto no Imperial Museu de História Natural de Viena, porém não teve tempo de avaliar e descrever o material que trouxera, pois faleceu em 17/06/1843. Por ironia do destino os manuscritos e desenhos que já havia preparado foram queimados no incêndio que destruiu o Museu de Viena em 1949.

Coube a outro ornitólogo, August von Pelzeln, um dos sucessores de Natterer no museu, publicar um livro em quatro volumes (entre 1868 e 1871) em que relatou os “Resultados das viagens de Johann Natterer”, procurando fazer justiça ao colega, respeitando sempre que possível as denominações dadas por ele.


Johann Baptist von Spix nasceu em 09/02/1781 em Aisch na Alemanha. Spix faleceu em Munique em 15/05/1826, com apenas 45 anos enfraquecido pela malária contraída no Brasil.
Spix chegou ao Brasil em 1817 acompanhado pelo botânico von Martius e aqui permaneceu até 1820, viajando pelo Rio de janeiro, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas.
Spix e Martius saíram junto do Rio de Janeiro em 1817, com destino a Ipanema (MG), aonde chegaram em 1818. Daí cortaram Minas Gerais e penetraram no sertão baiano com destino a Salvador (BA), de onde partiram com destino ao Piauí, seguindo para o Maranhão. De São Luiz (MA) viajaram por mar até Belém (PA) e depois de um mês entraram no rio Amazonas, passando por Manaus e navegando até Tefé (AM). Spix e Martius separaram-se por um breve período, e voltaram a encontrar-se em Manaus, e após excursões pelo baixo rio Amazonas, retornaram para Belém, onde após dois meses de permanência, partiram de vez para a Europa, em junho de 1820.
Diferente de Natterer, Spix publicou os resultados do seu trabalho em dois volumes, um em 1824 e outro em 1825, nos quais descreveu 220 aves, sendo que apenas cerca de 100 eram realmente novas espécies. A coleção de Spix ficou exposta durante muitos anos no Museu de Munique, e só foi realmente objeto de estudo aprofundado quando o ornitólogo Hellmayr teve acesso a ela em 1905.


Dentro de cinco anos o Brasil comemorará 200 anos de independência, sem, entretanto demonstrar a maturidade que esperávamos. Até quando continuaremos dependentes das Côrtes estrangeiras?

Fica em nossa mente como um presságio a imagem do solitário urubu, testemunha daquele dia memorável, no canto superior esquerdo da tela “Independência ou morte” pintada por Pedro Américo em 1888.



Referências
Cyanopsitta spixii. Consultado em 02 de setembro de 2017. Disponível em: www.mma.gov.br
Derek Goodwin. Taxonomic notes on the american ground doves. Auk, 76(4): 510-516, 1959.
Flora Brasiliensis. Consultado em 02 de setembro de 2017. Disponível em: http://www.fapesp.br/publicacoes/flora/
Laurentino Gomes. A princesa triste. In: 1822 Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Editora Nova Fronteira, 2010, 352p.
Maria Leopoldina de Áustria. Consultado em 01/set/2017. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Leopoldina_de_%C3%81ustria
Olivério M de Oliveira Pinto. Novo catálogo das aves do Brasil. Primeira Parte. Empresa Gráfica da revista dos Tribunais. 446p, 1978.
Olivério Mario de Oliveira Pinto. Com a expedição Austríaco-Bávara de 1817, a investigação naturalística atinge o seu ponto alto. In: A Ornitologia do Brasil através das idades (século XVI ao século XIX). Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1979, 117p.
Olivério Pinto. Esboço monográfico dos Columbidae brasileiros. Arquivos de Zoologia do Estado de São Paulo, v.VII, art. III, p. 241-324, 1949.
Rolinha-do-planalto. Consultado em 02 de setembro de 2017. Disponível em: http://www.naturezaeconservacao.eco.br/2016/05/rolinha-do-planalto-e-fotografada-na.html

Urumutum. Consultado em 02 de setembro de 2017. Disponível em: http://www.hbw.com/ibc/species/nocturnal-curassow-nothocrax-urumutum



2 comentários:

  1. Alô amigo Mosar! Obrigado por esse presente especial que conta um pouco da nossa história ornitológica. Abraço grande. Que venham outros mais.

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    1. Olá Roberto. Saúde e Paz. Tem muita história para ser contada não é mesmo? Os caras eram realmente corajosos e determinados. Abração. Môsar

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Olá. Obrigado por seu comentário. Assim que puder responderei.