COCCIDIOSES
EM PASSERIFORMES
Môsar Lemos
A infecção por coccídeos em
aves Passeriformes pode ser assintomática ou estar associada com uma síndrome
diarréica, às vezes sanguinolenta e emagrecimento progressivo. Embora já se
tenha encontrado Eimeria nas fezes de passeriformes, o principal causador da
coccidiose nestas aves é Isospora. Em condições naturais muitas vezes são
observados casos de coccidiose sem sintomas, apenas perceptíveis pelo exame das
fezes, entretanto existem situações em que a coccidiose evolui como doença
grave e epizoótica. As aves doentes se mostram tristes, com as penas
arrepiadas, plumagem seca e ficam alheias a aproximação do homem, sendo fácil
capturá-las com ou puçás ou mesmo com as mãos dentro dos recintos. Na maioria
das vezes não conseguem voar direito, estão bastante leves e com a quilha do
esterno proeminente (peito seco, facão, peito-de-faca). As aves de gaiolas não
se alimentam, embora passem horas no comedouro descascando as sementes, sem
ingeri-las. Devido às extensas lesões no intestino, o pouco alimento que
ingerem não é absorvido e a ave definha gradualmente. A doença é mais freqüente
nas aves jovens, e já foi observada prevalência de 20% em passeriformes
selvagens na Alemanha. Em pássaros de gaiolas e viveiros a coccidiose pode
ocorrer de forma epizoótica, com mortalidade superior a 50%. Embora haja
especificidade entre os parasitas e os hospedeiros Isospora lacazii (lacazei)
já foi encontrada em mais de 50 espécies de aves. A profilaxia está baseada na
limpeza diária rigorosa dos viveiros e gaiolas, com remoção das fezes, limpeza
e desinfecção de comedouros e bebedouros. Os oocistos não são atingidos por
desinfetantes ou drogas coccidiocidas, assim é importante um rodízio dos
fomites, e se não for possível o uso de vassoura de fogo, os equipamentos devem
ser deixados ao sol de um dia para o outro, após a limpeza e a
desinfecção. É importante também
observar que os comedouros e bebedouros não fiquem posicionados embaixo dos
poleiros, para evitar que as fezes sejam depositadas dentro deles. O
diagnóstico da coccidiose é feito através de exame parasitológico das fezes.
Como a excreção é feita de forma intermitente, deve-se coletar as fezes durante
três dias consecutivos mantendo o material sob refrigeração, sem o uso de conservantes,
de forma a possibilitar a obtenção da esporulação no laboratório, pois alguns
conservantes danificam os oocistos. Como os sintomas da doença aparecem antes
da fase sexuada do ciclo vital dos parasitas, e conseqüentemente antes da
produção dos oocistos, muitas vezes o exame parasitológico é negativo. Assim, o
exame deve ser repetido mais duas ou três vezes com intervalo de três dias
entre um exame e outro. As técnicas de flutuação e sedimentação são adequadas
para o exame, devendo ser utilizados os métodos de Willis-Mollay e Ritchie
modificado. Quando se faz necropsia de pássaro com suspeita de coccidiose
deve-se utilizar raspado da mucosa intestinal para o exame microscópico. O
exame histopatológico de fragmentos de intestino também é de grande auxílio no
diagnóstico. Diversas espécies de Isospora já foram descrias em Passeriformes
no Brasil, muitas delas sem associação com a doença (Quadro 1). A coccidiose
dos pássaros também pode ser chamada de isosporose.
Isospora
serini um coccídeo com um ciclo diferente
O termo atoxoplasmose (não confundir com toxoplasmose!) tem
sido utilizado para uma doença das aves, especialmente entre os Passeriformes,
que na realidade é determinada por um coccídeo: Isospora (Atoxoplasma) serini,
que apresenta um ciclo diferente daquele observado em outros coccídeos do mesmo
gênero e do gênero Eimeria. Isospora serini faz a parte sexuada do seu ciclo
vital na mucosa intestinal do hospedeiro, enquanto a fase assexuada ocorre em
diversos órgãos, fato que não é observado em outras isosporas.
Em seguida a ingestão dos
oocistos esporulados e liberação dos esporocistos, os esporozoítos de Isospora
e Atoxoplasma invadem as células epiteliais do intestino. Isospora passa por
merogonia no epitélio intestinal, enquanto Atoxoplasma penetra na corrente
sangüínea através dos vasos do intestino delgado. Os esporozoítos
subseqüentemente invadem os leucócitos e sofrem divisão assexuada nos
macrófagos, linfócitos e monócitos teciduais e circulantes, assim como nas
células epiteliais intestinais. Os merozoitos resultantes formam microgametas e
macrogametas. A gametogonia, o estágio sexual do ciclo vital dos coccídeos,
ocorre nas células epiteliais intestinais. Após a formação o zigoto sofre
alterações formando os oocistos. Estes oocistos não esporulados são liberados
com as fezes cerca de 9 a 10 dias após a infecção inicial e continuam a ser
liberados durante meses mesmo depois dos sinais clínicos nas aves sobreviventes
terem desaparecido. Os oocistos esporulam no ambiente e então se tornam
infectantes. Os oocistos podem ser identificados por técnicas de flutuação
(Willis-Mollay, por exemplo), mas é difícil distinguir oocistos de Isospora e
Atoxoplasma, já que ambos os organismos possuem dois esporocistos com quatro
esporozoítos cada um.
A atoxoplasmose é uma doença de canários jovens na faixa
etária de dois a nove meses de idade. Os sintomas clínicos incluem asas
arrepiadas, ave “embolada”, debilidade, diarréia e morte, e ocasionalmente
podem ocorrer manifestações neurológicas. O fígado fica aumentado e pode ser
visto como um ponto azul no lado direito do abdome caudal ao esterno.
Macroscopicamente é observada hepatomegalia, às vezes com pontos de necrose na
fase aguda da doença. Pode ser vista uma esplenomegalia com um baço de
coloração vermelho escuro e um duodeno edematoso bastante vascularizado.
Nas impressões em lâmina de vidro (imprintings) de
fígado, baço e pulmões, os parasitas são vistos no citoplasma dos monócitos. O
núcleo da célula hospedeira fica com a forma de um crescente. Os coccídeos
raramente são vistos nas fezes ou conteúdo intestinal, porque após a fase aguda
somente uns poucos oocistos são excretados (100 a 200 por hora).
A diferenciação
“post-mortem” entre os dois organismos (Atoxoplasma serini versus Isospora
canaria) é baseada na ampla distribuição de A. serini nos tecidos da ave
(fígado, baço, pulmão e sangue periférico), assim como pela comparação da
localização dos cistos em relação ao núcleo dos enterócitos, pois Atoxoplasma
serini é mais externo e confere ao núcleo a forma de um crescente.
A atoxoplasmose é considerada como resistente à terapia.
Na Europa o tratamento de escolha é a sulfacloropiridazina (Esb3, Vetisulid) na
razão de 150mg/ litro na água de bebida durante cinco dias por semana. Este
tratamento deve ser repetido toda semana desde o momento em que o diagnóstico é
confirmado até depois da muda. Este procedimento tem se mostrado seguro e
efetivo, mas afeta somente a produção de oocistos e não influencia os estágios
intracelulares. Ele interrompe o ciclo infeccioso. Outros produtos também podem
ser efetivos na interrupção do ciclo. Outras medidas incluem alimentação com
uma parte de “farinhada” com ovos e uma parte de mistura de sementes até após a
muda. Evitar superlotação dos aviários, após trocar e limpar os pisos das
gaiolas e dos viveiros manter uma boa higiene é uma medida que sozinha pode
prevenir surtos clínicos em canários infectados. A infecção também é comum em
outros fringilídeos europeus criados em cativeiro.
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